E Depois do Adeus…

Napoleão Mira

Escritor

Há 50 anos, em fevereiro de 1974, aqui, no “jardim da Europa à beira-mar plantado” a vida decorria ao ritmo da trivialidade.
Aos domingos, os familiares imigrados para os arredores da cidade grande, pagavam visitas entre si, quase sempre à volta de um almoço de panela que, não raras vezes, resultava num tradicional cozido ou mesmo numa cabidela de galinha que, acrescentando mais arroz ou mais batata, dava sempre para um rancho de gente.
Os jogos de futebol — outra entretenga da maralha ­­—, eram escutados avidamente de transístor encostado ao ouvido, já que o imperdível espetáculo radiofónico distribuído pelo país e ilhas, começava impreterivelmente todos os domingos e em todos os campos às 15:00 horas.
Ser relatador de futebol era um dos sonhos da gaiatagem desse tempo. Isto no caso dos rapazes, já as raparigas imaginavam ser hospedeiras da TAP, isto a avaliar por um daqueles cadernos de sondagens (estratagema de engate dos mais tímidos!) para saber quem gostava “do dono deste inquérito?” que encontrei com a data de fevereiro de 1974 num caixote perdido em dia de arrumações.
Por esta altura já está em ebulição outro dos imperdíveis acontecimentos cá do burgo: O Festival RTP da Canção!
Neste ano José Cid concorre com três canções. Duas delas ficaram na memória de todos nós e ainda hoje interpretadas pelo seu autor que celebrou recentemente 82 anos. Falo dos temas A Rosa Que Te Dei (5º lugar) e o festivo e festivaleiro No Dia Em Que o Rei Fez Anos (2º lugar) que criou grande bruá de insatisfação nas conversas de café do dia seguinte, já que o programa televisivo despertava enormes paixões logo, grandes divisões­, acerca da justeza do vencedor.
Mas quem venceu foi outra canção que também ficou para a história. Chama-se “E Depois Do Adeus”, soberbamente interpretada por Paulo de Carvalho, da autoria de José Niza (letra) e José Calvário (música) que, daqui a dois meses, servirá de senha ao dia da libertação e, por isso, também marcada nas nossas memórias e cantada até à exaustão a cada futuro 25 de Abril.
Os jornais da época publicavam grelhas recortáveis com as canções concorrentes e espaço para as votações, para que, em família, o leitor pudesse — numa espécie de passatempo — acompanhar e, de alguma forma participar— com aquela folha de Excel de antanho —, nesse grandioso acontecimento anual.
Mal sabia o intérprete da magnífica canção que, pelas 22h55 do dia 24 de Abril de 1974 e através das ondas do éter dos Emissores Associados de Lisboa esta, será a senha e o sinal que irá determinar o início da operação que há de ficar registado na memória de muitos como o dia mais bonito das nossas vidas.
Cinquenta anos volvidos a sociedade está extremada entre os defensores do regresso de um qualquer Salazar de segunda (dizem que um em cada cinco portugueses!) e os que proclamam a necessidade de um novo 25 de Abril.
Se calhar o que necessitamos é de recorrer à lembrança. Convinha que nos recordássemos dos desmandes do fascismo e do quão perto estivemos de embarcar noutra ditadura (desta feita, do proletariado!). Pessoalmente nem sequer sou dos que pensam que no meio é que está a virtude; pertenço sim, àqueles que fazem da memória um património inexpugnável onde se pode recorrer sempre que a dúvida seja motivo de sobressalto.

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