O princípio do homem é a carne.
É ela que descasca a pele da inocência.
Na aula de Ciências Naturais,
no desenvolvimento do sumário sobre o sistema reprodutor,
a professora não lhe disse que uma noite
o escuro do quarto começaria a arder
lentamente
e depois, num incontrolável
incêndio de flanela e posters,
iria ficar inteiro
nas suas mãos.
E foi ele,
sozinho,
com o coração
a subir e a descer
as escadas do peito,
de olhos boquiabertos,
a boca ímpia,
não contendo um braço,
esticando as pernas
como cordas de violino,
foi ele, tonto,
que descobriu que
das mãos inquietas daquele fogo
jorra uma água densa aos gritos.
Aquelas mãos que até ali existiam
para dar à mãe e ao pai,
para rodar piões,
agarrar balões,
folhear livros,
atar sapatos,
pentear, empurrar, puxar,
aqueles dedos que
seguraram a chupeta,
levantaram colheres de papa,
acenderam candeeiros em noites de medo,
desenrolaram rebuçados,
fura bolos, mata piolhos,
aquelas mãos brandas,
aqueles dedos moços,
são agora anjos
vindos de um céu feito de carne.
A respiração áspera rasga o silêncio
que costuma fazer a horas mortas,
o corpo toca como uma harpa,
o sangue é uma cobra vermelha,
os dentes são gomos de limões brancos
azedos e doces,
a boca sabe a filmes para adultos,
os olhos penduram-se na cal
das paredes,
o cabelo viu lobos bons,
os braços acabaram de remar
o mar todo.
E do tecto branco da noite
desce uma culpa
que se cola às mãos.
<i>In <b>Maçã de Adão</b></i>