Há corações que sobem até à boca como se fossem balões vermelho-sangue atados a uma veia de poeta, esvoaçando no céu da conversa.
São corações que não respeitam a gravidade. Nunca caem aos pés, antes pelo contrário, sobem sempre porque têm um gás alado e inebriante que se extrai das raízes das paixões maduras e apenas alguns homens e algumas mulheres sabem onde o podem encontrar. Têm almas de cigarra, batem desalmadamente na ponta da língua, são ideias absolutamente coloridas voando felizes no céu da boca.
Não escondem, não se escondem, saltam para a mão para todos verem como batem e como caminham felizes pelas artérias da memória. Mostram a aorta que às vezes irriga tudo de prazer e outras vezes os deixa sem pinga de sangue. E também mostram, bem ao perto e ao pormenor, as cicatrizes dos desgostos, os sítios onde as setas ficaram cravadas, a arritmias provocadas pela eletricidade dos olhos, os glóbulos brancos dos lençóis em desalinho, os vermelhos dos olhos vermelhos de choro, as capilares que levam a mágoa na sua corrente, uma veia que numas asas e bico de colibri se soltou da pele que é prisão das veias e provou o sabor daqueles lábios vermelho-carne, o miocárdio que é o responsável pelo desejo maior.
Há corações que fazem da conversa uma passadeira de uma prova de esforço e não param até que no tampo da mesa se sintam as batidas cardíacas por minuto, na montra do café estejam expostos os raios-X e o televisor seja um monitor de electrocardiogramas.
Há corações ao alto.
E há corações mudos. Aprendizes da cartilha do silêncio. São relógios de ponteiros servis dando horas certas, bombeando rotina, picando o ponto. Podiam ter sido relógios de cozinha ou de sala, calhou a serem relógios de peito com mecanismos de sangue que não aquece nem arrefece.
Há corações que são funcionários públicos empregados no escritório da vida. Têm hábitos das nove às cinco e trazem comida de casa. De resto só comem em casa.
A maior parte das vezes estão sentados muito direitos, agrafados à burocracia do ritmo cardíaco. Assinam os ofícios das frases feitas e da normal distribuição do oxigénio e nada percebem da poesia das pulsações exageradas, dos calafrios e das tensões altas.
Há corações que são pedras frias dentro de poços fundos.
A carne do corpo as tábuas do caixão. Eles, o morto.
Têm almas de formigas, vão em carreirinha, sobrevivendo. Não se lhes conhece um desvio no aparelho sanguíneo, um aumento de pressão arterial, nunca assomaram à boca, muito menos saltaram para a mão. Ali ficam na gaiola do peito, pássaros quedos, uma vida inteira comendo alpista e bebendo água da torneira.
Para eles a adrenalina é um mito. Apenas ronronam de vez em quando como gatos com uma coleira posta, preguiçosos, deitados num cesto. Não palpitam, não aceleram, nem inventam outros aparelhos circulatórios. São meros pace-makers.
Numa vida a dois, pode haver um de cada qualidade.
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