Comemora Abril. Sempre!

Quinta-feira, 17 Setembro, 2020

José Filipe Murteira

professor do Ensino Secundário

<i>“Esta aí a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo”</i>

Sophia

Há dois meses, quando os egípcios derrubaram Mubarak, Barack Obama afirmou que “existem poucos momentos nas nossas vidas em que temos o privilégio de assistir a um acontecimento histórico”.
No dia 25 de Abril de 1974 tinha 16 anos (feitos no mês anterior) e frequentava o Liceu de Beja. Não seria um jovem “politizado” mas, juntamente com um grupo de colegas e com a complacência (e cumplicidade) da jovem professora de filosofia, dava os primeiros passos na oposição ao regime.
Sabíamos que alguns dos livros que circulavam entre nós eram proibidos, discutíamos a independência da Guiné-Bissau, ocorrida uns meses antes, contestávamos uma guerra injusta, que nos ameaçava a médio prazo, rejeitávamos uma sociedade onde as desigualdades e o medo imperavam.
Por isso, também nós esperávamos a tal madrugada que Sophia cantaria. O que não sabíamos é que viver os dias, os meses e os anos que se lhe seguiram seria, como Obama diz, um privilégio que nem todas as gerações terão.
Foram momentos vividos a uma velocidade vertiginosa. Não exigíamos o “impossível”, como os jovens franceses seis anos antes em Paris, mas sim um país que deixasse de estar orgulhosamente só, em que existisse a liberdade “a sério”, que Sérgio Godinho nos cantava com “a paz, o pão, habitação, saúde, educação”.
Havia a política, claro, “pura e dura”, onde todos estávamos a aprender cada dia que passava, com a entrega e a paixão próprias da juventude e das utopias que sonhávamos, mas havia também o desejo de cumprir o legado de Bento de Jesus Caraça: “A cultura integral do indivíduo”. Daí que esses anos fossem também de intensa “militância” na actividade cultural e desportiva, no surgimento de associações e na organização de eventos, no que constituiu uma verdadeira escola cívica para todos nós.
Foi, de facto, um privilégio, termos vivido, de corpo e alma, esses anos intensos, termos assistido e participado em transformações tão significativas, termos visto nascer e crescer um país novo, livre e integrado de corpo inteiro no seio dos restantes países democráticos.
Hoje, passados trinta e sete anos, é muito fácil dizer-se, como muitos fazem, que houve erros na revolução, que isto ou aquilo poderia ter sido feito desta ou daquela maneira. Há até pessoas, com importantes responsabilidades na altura, que gostariam de ter a sua imagem apagada de fotos da época, como aconteceu em outros momentos da História.
Só que, os dias de uma revolução são vividos de uma forma diferente, ultrapassando, por vezes, os próprios protagonistas. De tal modo que John Reed chegou mesmo a referir-se a “dez dias que abalaram o mundo”, numa referência a Outubro de 1917. Nessas alturas, muitas vezes age-se primeiro e pensa-se depois, tal a velocidade em que os acontecimentos de desenrolam. Como costumo dizer aos meus alunos que uma revolução é um carro a cem à hora, enquanto que na evolução “normal” de uma sociedade esse mesmo carro viaja a dez à hora.
Por isso, não obstante esses “erros”, os avanços e recuos, as alegrias e as desilusões, não podemos deixar de comemorar Abril e o que de bom nos trouxe.
Porque essa é a melhor forma de “agradecer” o privilégio que foi termos vivido aquele acontecimento histórico e de transmitirmos às novas gerações, sobretudo aquelas que nasceram depois de 1974, como é importante vivermos em democracia, longe das ameaças das pides, das censuras e de uma guerra que, não esqueçamos, levou consigo alguns milhares de jovens na força da vida e deixou para sempre marcas físicas e psicológicas bastante dolorosas em outros milhares.

Um pouco por todo o Alentejo e pelo país, festejou-se mais um aniversário do 25 de Abril. A cidade de Beja não festejou. Ficou só, tristemente só.
Triste “Beja Capital”

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