Desde que me conheço que sou de esquerda. Ou seja: sou esquerdino ou, mais popularmente, canhoto.
Ser canhoto nos anos Sessenta era um estigma. Desde a mais tenra idade éramos obrigados a contrariar esta condição natural. Logo que começávamos a aprender as primeiras letras, era obrigação fazê-lo com a mão direita. Para que tal acontecesse, existiam várias técnicas. A uns prendiam-lhe às costas a mão esquerda, obrigando as imberbes criancinhas a utilizar a direita – o que era uma solução contranatura –, a outros aplicava-se o terror psicológico acompanhado pelo corretivo da “menina dos sete olhos”.
Nascer esquerdino por esses tempos era, só por si, uma espécie de mau agouro. Um defeito de se lhe apontar o dedo. Uma malapata ou, ainda pior, coisa do diabo!
No meu caso, fui obrigado a aprender a escrever com a mão destra na segunda classe, quando cheguei a Lisboa. Aprendi as primeiras letras no Alentejo com a professora Juvenália, que ao que parece pouco se importava com esse endireitar de caminho, emanado lá pelo ministério salazarento de Lisboa.
Curiosamente, quando hoje tento escrever com a mão esquerda, regresso à sala de aula de Entradas, ao mesmo tempo que revisito esses tempos de criança e a minha letra, parecendo que parada no tempo, remete-me para uma caligrafia infantil, ou seja, para o modo de escrever do petiz que eu era.
Depois começou a saga da descriminação ( hoje chama-se bullying!) devido às atividades que me eram impossíveis fazer com a direita. Das piores, era mesmo atirar pedras com a mão contrária. O gesto saía-me algo efeminado e o coro de vozes a apelidar-me de “maricas” logo se fazia ouvir.
Bem sei que as crianças na sua infinita inocência são de uma crueldade quase desumana. No entanto, sentir na pele essa severidade foi de tal maneira marcante que, na hora de escrever esta crónica, me voltou a inquietar o espírito.
Mais tarde, quando o problema da escrita já estava debelado, necessitei de aprender a desenhar ou fazer trabalhos manuais, o que fazia com que necessitasse de usar materiais que me não me eram naturais. Falo da régua, tesoura ou mesmo o tira-linhas.
É claro que esborratava as folhas e as provas a que era submetido me corriam quase sempre mal porque, ao contrário dos outros, a minha destreza se chamava “canhoteza”.
Ser canhoto é o mesmo que sinistro, afinal era – e continua a ser – um sinónimo de esquerdino, com toda a carga pejorativa que a palavra carrega.
Em tempos anteriores ao da minha nascença, chegou-se a atribuir à bruxaria essa faculdade humana que apenas se prende com a utilização mais frequente de um dos hemisférios cerebrais, no caso dos canhotos o do lado direito.
Só com a entrada na adolescência me dei conta de que, afinal, muitos dos génios que admirava eram tão sinistros quanto eu. Falo de Paul Mccartney, Jimi Hendrix, Albert Einstein, Leonardo da Vinci ou mesmo Mahatma Ghandi, que também sofriam da mesma patologia.
Esta descoberta fez com que me sentisse mais aliviado e até passasse a ter orgulho em ser minoritário no que ao uso dos hemisférios cerebrais diziam respeito.
Agora, no outono da vida, convivo naturalmente com esta peculiar particularidade. Já foram inventados abre-latas, réguas, transferidores e outros instrumentos de desenho, e até já existem ratos de computador para canhestros.
Felizmente, fruto do conhecimento comportamental e da evolução civilizacional, esta aberração está ultrapassada. Destros ou esquerdinos, todos somos humanos e é por aí que temos de admirar o nosso semelhante.
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