Numa altura em que dormimos e acordamos com a crise colada ao corpo e à alma, numa espécie de sarna crónica sem melhoras à vista e com tendência ao agravamento, numa altura em que a crise está a parir os seus filhotes deformados e grotescos e se instalou uma berraria de descrédito e suspeita generalizados, tendo quase sempre os políticos como protagonistas e pais biológicos ou adoptivos, numa altura em que a nossa paróquia não escapa ao festival de acusações, ambiguidades e hesitações, numa altura em que crise significa também o afundanço do optimismo e o gáudio do pessimismo, venho eu, surpreendido com a disposição, falar de coisas boas por aqui. Uma já estabelecida. Uma iniciada. Outra anunciada.
1. Leonel Borrela é um conhecido e prestigiado artista e investigador da nossa cidade. Nunca privei com ele, teremos trocado uma ou duas palavras por ocasião de algum evento cultural ou social. Ora, há pouco mais de um mês, marquei uma visita guiada no Museu Regional de Beja (Museu Rainha D. Leonor), para que os meus formandos do curso de Turismo Ambiental e Rural pudessem conhecer in loco as valências e a riqueza do acervo do nosso principal museu, e, para além disso, usufruíssem de explicações autorizadas sobre as várias peças do espólio. Não fazia ideia que seríamos recebidos e acompanhados pelo técnico de museografia, Leonel Borrela. Não fazia ideia que aquela visita iria tornar-se numa espantosa lição de história política, diplomática, económica, cultural e social, não fazia ideia que aquela visita iria constituir uma arrebatadora digressão estética e filosófica, não fazia ideia que aquela visita iria transformar cada peça do museu num “clip” com legenda animada, pormenorizada, rigorosa e contextualizada do ponto de vista artístico e técnico. Uma visita ao Museu Regional de Beja guiada por Leonel Borrela devia ser obrigatória em todas as escolas da região e de todos os graus de ensino, e igualmente obrigatória para todos os que aqui pertencem ou aqui vivem.
2. Como foi ampla e justamente noticiado, a Câmara Municipal da Vidigueira decidiu aumentar em 82,08 euros o ordenado dos trabalhadores municipais que recebem o salário mínimo, ao mesmo tempo que reduziu em cerca de 10% o ordenado dos que ocupam cargos por nomeação, assim como da equipa de adjuntos e assessores. Esta medida, agora efectivada no plano autárquico local por uma câmara comunista, materializou, no essencial, uma proposta da bancada parlamentar do CDS-PP que, em sede de discussão orçamental, sugeriu um aumento dos salários da função pública abaixo dos 800 euros, o que seria parcialmente compensado com um corte no vencimento dos detentores de altos cargos políticos (Presidente da República, membros do Governo, deputados) e também dos gestores públicos. Comunistas locais e centristas parlamentares justificaram as propostas em plena consonância: dar o exemplo a partir “de cima”, sinalizar que o combate à crise também se faz com sacrifícios assumidos por aqueles que tantas vezes pedem ou exigem sacrifícios, sem nada sacrificarem… A Câmara da Vidigueira é uma referência que devia constituir força de lei! Passou das palavras aos actos, melhorou efectivamente a vida de muitos trabalhadores e respectivas famílias, através de uma decisão de solidariedade institucional e justiça moral redistributiva. Depois deste passo de extraordinário significado simbólico, as câmaras da região que não seguirem o exemplo, da esquerda à direita, terão de prestar sérias contas ao exercício virtuoso e decente da política, agora recuperado da matriz grega da democracia, onde os titulares de cargos públicos disputavam a nobreza de servir a polis e o bem comum, e não a demagógica canalhice de, com a mesma argumentação, se servirem realmente a eles próprios.
3. À semelhança de tantas outras coisas, o projecto do Centro Comercial Vivaci em Beja nunca foi suficientemente esclarecido pelo anterior executivo camarário: nem os constrangimentos impostos ao promotor, nem as contrapartidas exigidas. A público vinha apenas o estafado paleio da boa vontade, ou a ressonância de entraves, impasses, questões pendentes, e outras nebulosidades do género. Pelo que se anunciou recentemente, o Projecto Vivaci-Beja parece “desbloqueado” e no bom caminho. Espero bem que sim. Um centro comercial desta dimensão, com 100 lojas (muitas delas de marcas prestigiadas), vários cinemas, restaurantes, zonas de lazer, daria uma especial centralidade a Beja no contexto regional. Importa não esquecer que muitos alentejanos, dos três distritos, deslocam-se com regularidade a Almada/Lisboa ou Guia/Faro, para aí realizarem compras e/ou assistirem a sessões de cinema e/ou passear e divertirem-se com a família. É o meu caso. Um centro comercial Vivaci seria um importante empregador, um dinamizador da economia local, e um factor de estimulação económica e comercial pelas actividades e serviços que promove e requer directa ou indirectamente. Todo o empenho político se justifica e se deseja para que o Vivaci-Beja seja uma realidade o mais depressa possível, e Beja deixe de ser apenas o histérico paraíso das “lojas dos chineses”…