A fotografia chamou-me a atenção. Muito apelativa na sua simplicidade (já não recordo se a vi num jornal ou num qualquer <i>site </i>de notícias), sintetizava em duas palavras exactamente o que eu sentia e pensava sobre o assunto, naquele momento. Era de um cartaz, utilizado nas manifestações de rua, em Santiago do Chile, logo após a morte de Pinochet. Lembro-me, como se fosse hoje, do dia 11 de Setembro de 1973: das notícias da rádio, primeiro, das imagens de televisão depois, chocantes e desesperantes num Portugal que vivia (sem o saber…) os últimos seis meses de uma ditadura de quase cinquenta anos. Começava, então, no Chile, um período negro na história do sofrimento dos povos, negro pelas atrocidades e negro pela desesperança que trazia em si. A morte, horas depois confirmada, de Salvador Allende, presidente democraticamente eleito num Chile que representava o equilíbrio democrático numa América Latina politicamente agitada e problemática, pôs termo a uma experiência política, seguida com fascínio e expectativa na Europa, relativa à possibilidade real de transição pacífica e sem rupturas significativas no tecido social de um sistema capitalista para uma sociedade de características socialistas, com base num programa eleitoral claramente publicitado, discutido, votado e assumido. Augusto Pinochet Ugarte, um obscuro e medíocre general do exército chileno, nomeado Chefe do Estado Maior cerca de uma semana antes numa cerimónia que implicou um juramento de fidelidade a uma constituição democrática, liderou o golpe de estado. Instaurou uma das mais violentas ditaduras do mundo ocidental do último quartel do século XX, que serviu de modelo para outra um pouco mais a sul que eclodiria alguns anos depois. Pinochet morreu sem ser julgado pelos crimes que cometeu, o maior dos quais seria o de traição a um povo. Morreu rico, como muitos ditadores.
Saddam Hussein foi executado nos últimos dias de 2006. Após condenação à morte, num julgamento-farsa, em que foi julgado unicamente por uma das menos relevantes entre as múltiplas atrocidades que cometeu enquanto esteve no poder. Nessa caixa de Pandora destapada em que transformaram o Iraque, nesse país dilacerado que já foi um dos locais exemplares da civilização, houve toda a pressa em eliminar fisicamente alguém que ousou desafiar poderes que não se podem permitir ao luxo de serem desafiados. O petróleo do Médio Oriente é demasiado importante, os vizinhos iranianos têem que ser devidamente avisados do que os pode esperar se persistirem na atitude aventureirista. Julgar Saddam num tribunal internacional, julgá-lo por todos os crimes que cometeu ou mandou cometer e ter a sabedoria de o manter vivo para o fazer pagar esses mesmos crimes, seria algo de impensável para os mesmos que o apoiaram e lhe venderam armas e deram apoio militar anos antes da invasão do Kuwait, durante a guerra fratricida contra o Irão.
George W. Bush está, ao que se sabe, vivo e com saúde. Continua o seu segundo mandato como presidente dos EUA. Mesmo tendo ganho o primeiro mandato com a muita batota que se sabe. Mandou invadir o Iraque em Abril de 2003. Nestes três anos e alguns meses já morreram mais soldados americanos no Iraque do que as pessoas que faleceram em Nova Iorque em consequência do 11 de Setembro de 2001. Diariamente morrem dezenas ou centenas de iraquianos em múltiplos atentados, mortes que já não despertam grande atenção porque se vulgarizaram. Provavelmente por mero acaso, grande parte dos soldados americanos mortos é de origem afro-americana ou hispânica, mas americanos. Os iraquianos são chiitas, sunitas, curdos, mas iraquianos. O petróleo, esse, subiu nos últimos anos o que subiu. Em Guantánamo continua a existir um campo de prisioneiros que desafia tudo o que está estabelecido e livremente acordado sobre direitos humanos. Para já, não se ouve falar em julgamento de W. É pena. Ao menos Nixon, presidente dos EUA na altura do golpe de Pinochet, foi obrigado a demitir-se para escapar ao <i>impeachment</i>, mesmo que este tenha surgido em consequência de outras manifestações da mais transparente e rigorosa honestidade política. De Nixon alguém disse que era o tipo a quem nunca se compraria um carro usado. E ao W.?
Voltemos à fotografia de que falei no início. Era, como disse, de um cartaz, cartaz esse que tinha apenas duas palavras. Essas duas palavras aplicam-se para já, mal ou bem, pior ou melhor, aos dois primeiros e falecidos personagens desta crónica. Os dois já ocuparam o lugarzinho que tinham devidamente guardado nos quintos dos infernos. Esperemos que o lugar do terceiro seja desfrutado ainda do lado de cá. Merece-o, ele e alguns dos amigos. As palavras do cartaz, simples e eficazes:<i> púdrete, cerdo!</i>
<b>PS: </b><i>no discurso do Ano Novo o Papa Ratzinger terá comparado o aborto ao terrorismo. Deus lhe perdoe, que o homem não tem mesmo tento. Nem na cabeça nem na língua…</i>