“O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima a baixo! Toda a vida espiritual, intelectual, parada. O tédio invadiu todas as almas. A mocidade arrasta-se envelhecida das mesas das secretarias para as mesas dos cafés. A ruína económica cresce, cresce, cresce. As quebras sucedem-se. O pequeno comércio definha. A indústria enfraquece. A sorte dos operários é lamentável. O salário diminui. A renda também diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.”
Corria o ano de 1871 e apareciam nas bancas lisboetas uns opúsculos ornamentados com o diabo de Asmodeus ostentando o título As Farpas. Nele figuravam os nomes de Eça de Queiroz e de Ramalho Ortigão. Da primeira publicação destes caderninhos de cerca de 100 páginas transcrevi a parte acima descrita, à laia da introdução, pela acutilância e pela incrível actualidade que as palavras dos autores contêm.
Porque efectivamente o Estado é um ladrão e um inimigo que se alimenta dos impostos dos contribuintes sem funcionar como garante de serviços de qualidade. Porque efectivamente “a ruína económica cresce, cresce, cresce”. Os senhores que elegemos têm vindo a gerir mal, muito mal os recursos do país, os institutos, as fundações e as empresas públicas: referes, metros, taps, rtps. E depositado uns milhares de euros nos BPSs e nos BPPs. Porque o Banco Central Europeu empresta dinheiro aos bancos com juros que rondam o um por cento e estes, por sua vez, compram a dívida portuguesa e impõem um juro que já ultrapassa os oito. No ano passado, BCP, BPI e BES lucraram milhões milhões por dia! Aí Eça! Ai Ramalho! “alguns agiotas felizes exploram”.
E com que legitimidade? Com que legitimidade prometem criar 150 mil novos postos de trabalho e, pelo contrário, vemos o desemprego subir a galope? Vivemos num país que apresenta 620 mil desempregados! A que se somam os inactivos disponíveis e o sub-emprego perfazendo os 770 mil!!
Houve quem por nós tentasse defender o tão apregoado interesse nacional, porém já quase “ninguém crê na honestidade dos homens públicos”. É por isso preciso continuar a falar alto e em bom som para que a luta não esmoreça e o povo ainda acredite.
A partir de 5 de Junho poderá espetar a sua farpa bem fundo na urna de voto! Não dê razão a Eça. Não dê razão a Ortigão. Não deixe que o tédio invada todas as almas. Para si leitor de bom-senso, para parte da mocidade que se arrasta nas mesas do café, para si membro da geração à rasca, para si seja lá quem for: VOTE!
Vote! Há alternativas! Óh, se há!