Na minha ultima crónica neste jornal, escrevi que “Gosto particularmente de crises! […] Depois da tempestade inicial, os momentos de crise, despertam a nossa criatividade, namoram a nossa imaginação, fazendo emergir o melhor dos seres humanos. Ou o seu pior, porquanto as crises carregam consigo a deliciosa característica de nos tornar mais genuínos, mais verdadeiros, fazendo respirar a nossa verdadeira essência!” Recordo o texto, tendo na mente o drama no Haiti, que fez sobressair a generosidade de um país – os Estados Unidos – e o mau feitio de um idiota – obviamente o Presidente Chávez!
Para quem faz um ligeiro esforço para acompanhar a realidade na Venezuela, as palavras de Chávez não surpreendem: a braços com uma grave crise económica, de desvalorização em desvalorização da moeda, privando os Venezuelanos de comprar praticamente todos os bens importados, num clima de uma democracia verdadeira, daquelas que causam inveja aos ditadores, é necessário urdir um inimigo externo, para tentar unir um povo que sofre. Mais surpreendente é o fascínio com que alguma esquerda lusitana aplaude os disparates do Presidente Venezuelano, um verdadeiro mistério do Caracas. Ou não: depois de desaparecer um muro, que não foi derrubado mas que caiu de miséria e vergonha, a inexistência de verdadeiros valores, demanda que algumas pessoas se agarrem a preconceitos e pseudo-valores, de forma a acreditarem que ainda acreditam em alguma coisa!
Um desses preconceitos primários é o anti-americanismo, que os leva a aplaudir todo e qualquer idiota que berra contra os EUA. A nação americana, com os seus contrastes e contradições, oferece-nos exemplos do melhor e do pior: mas saber que eles existem, saber que defendem valores fundamentais como a democracia e a liberdade, ajudam-nos a dormir melhor. Porque podem fazer mil dislates, mas estão lá quando são precisos: seja para salvar a Europa de Hitler e Estaline, seja para ajudar o sofrido povo do Haiti!
<b>2. </b>Depois de corajosamente se terem aniquilado os patéticos constrangimentos ao direito constitucional ao divórcio simples, permitindo ao cônjuge desembaraçar-se com facildade do outro e de finalmente Portugal ter abraçado o comboio da liberdade, consagrando o direito a duas pessoas do mesmo sexo casarem uma com a outra, entendo ser o momento adequado para se legislar no sentido de acabar com uma das mais profundas discriminações do século XXI, a oportunidade inadiável de derrubar um dos maiores preconceitos do tempo actual!
Defendo e insto todos a defender, mormente os deputados regionais que podiam ser pioneiros nesta iniciativa, colocando Beja na rota da modernidade e fazendo valer na capital uma visão alentejana do mundo, que se proponha a criação de legislação e que o Parlamento aprove com carácter de urgência, o Estatuto Jurídico da Amante! É inadmissível que em pleno século XXI, as amantes continuem a ser vítimas de preconceito social, condenadas pela sociedade, apontadas nas ruas, sendo privadas do mais elementares direitos de cidadania que todos os seres humanos devem ter, absolutamente desprotegidas pela lei, ao abrigo de princípios passadistas, inspirados numa sociedade burguesa, atrasada e salazarenta!
Está mais do que na altura de os nossos políticos, quer Governo quer oposição esquecerem as miudezas que os separam e em comunhão terem a coragem de resolver os problemas realmente pertinentes que afectam a portugalidade, o momento de gritar bem alto BASTA, de não continuarmos a fechar os olhos à hipocrisia de fingir que não estamos atentos aos verdadeiros dramas sociais: que haja a coragem de reconhecer que por detrás de cada amante, está um coraçãozinho triste e solitário, alguém que escondida na sombra desespera por um amor, que apesar de correspondido, está sequestrado e amarrado a convencionalismos retrógradas!
É inconcebível que a amante continue a não ter direito a dias de visita determinados, que seja privada do convívio com o amante no natal, ano novo, aniversários e todas as outras efemérides sociais, esteja desprotegida quando existe uma ruptura da relação, que possa ser abruptamente privada de pensão de alimentos, não tenha nenhum direito à habitação e seja excluída dos direitos sucessórios, algo terrivelmente injusto, porquanto se partilha com a esposa o débito conjugal, será da mais elementar justiça que tivesse direito ao seu quinhão testamentário!
Se pretendemos ser uma sociedade europeia, moderna, se desejamos que o nosso Direito acompanhe a evolução da sociedade, que a lei seja um farol da liberdade e um arauto da não discriminação, não podemos ficar presos a estereótipos do passado, porque quando tudo muda nada fazer é ficar no lado errado da História: mais que um direito, o estatuto jurídico da amante é um passo necessário e premente, para criar uma sociedade mais justa, mais fraterna, mais solidária!