Finalmente pode agora descansar da euforia destes últimos dias de festa.
Precise-se, para não haver confusão, que nem a euforia, nem a festa são dele. Dele só mesmo a irritação que sente por ninguém lhe ter ensinado a ser feliz. Principalmente nas alturas próprias e comuns, ele é um calendário ao contrário, um ano inteiro sem feriados, uma agenda sem datas para oferecer flores.
Não gosta da felicidade dos outros porque cada riso é uma lupa que lhe aumenta o sofrimento. Sal que lhe põem nas feridas. E então defende-se, diz que a felicidade é uma farsa, uma obrigação moral, uma usança, um conluio para que a humanidade se esqueça que afinal não somos nada. Que rimos para não chorarmos. Aliás quem tenha três dedos de testa não se devia permitir embarcar em balelas.
A felicidade, se é que existe, não se marca com três meses de antecedência numa discoteca. Não o enganam não que a melancolia dele é pura! Coisa de todos os dias e de todos os anos. Adulta e prenhe. Não é preciso fazer nada. É só respirar. Era o que havia de faltar ter que dar pulos e gritinhos!
Não embrulha nem abre presentes. Nada tem para dar, nem para receber. Não tem consoada, nem paz, nem fogo no chão, nem dentro do peito e nunca vai à missa do galo.
Não consegue ver a diferença entre um presépio e um jogo de lego. Irrita-o o facto de as árvores de natal não terem raízes. E por isso serem tão falsas. E as luzinhas coloridas só servem para as tornar felizes. E hipócritas.
Caminhando no silêncio da rua parece um rei amargo sem uma estrela que lhe indique o caminho.
Detesta o delírio do fim de ano porque o tempo dele não tem esquinas, nem quebras, nem mudanças. É apenas um fim que começou logo no princípio. Nunca chegou a ser madeira, foi logo carvão.
Comer passas não come, já lhe chegam as dele que não têm conta.
Enterra-se num sofá e à falta de melhor pode dizer-se que o seu coração é um relógio parado. Uma rolha que não salta. Um copo vazio. Um bolo cru.
E a meia-noite é apenas o ar gélido que o vem visitar para não lhe deixar esmorecer a solidão, para que a cinza não o abandone, para que o calor da vida não lhe pegue e o converta.
– Lembrem-se, é preciso ter muito cuidado com o desejo, diz ele amiúde.
O desejo é o espumante vertido, o espasmo líquido com que os copos e os corpos brindam ao tempo novo. O espumante molha o tempo novo, fecunda-o. Abre-o de par em par como um livro bonito, cheio de sonhos certos e vivos. E todos os anos a noite de ano novo é uma purificação, um banho onde os desesperos se lavam.
Mais uma vez. Pateticamente, diz ele.
Globalmente não é muito diferente de nós todos.
Apenas não faz pausas na mágoa.
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