Com os olhos agarrados como duas ventosas ao vidro húmido do copo de vodka, disse que tinha descoberto a beleza interior dos homens. Havia limão e álcool no som das palavras e ela sugava a música alta por uma palhinha de plástico. Não sei se terá sido uma revelação repentina ou uma constatação amadurecida. Ela não o disse, mas ainda assim acredito mais na segunda hipótese. Estas coisas de dentro vêm de longe como peregrinos cansados, viajam às costas da idade, demoram a crescer como árvores, não entram por um café dentro, sentam-se à mesa da puberdade e dizem: o gajo é bonito por dentro. Não. É preciso tempo para que também uma mulher veja para lá da carne.
No princípio, as mulheres gostam é do litoral dos homens. Da brisa do hálito. Dos perfumes da maresia do peito. Dos olhos castanhos de areia quente. Das dunas perto do umbigo. Gostam de passear o olhar pela marginal dos lábios carnudos, gostam das costas largas, de se sentar num banco de frente para eles e morder a maçã de Adão, de ver correr o sal do suor. Adoram as sementeiras de barba de três dias onde as suas línguas vão fazer a monda e adoram os braços fortes como tornos onde elas põem os peitos.
No início, discretas e silenciosas, sem o verbalizarem, sem que delas escorram palavras carnais, as mulheres poisam nas pernas dos homens como mariposas de ferro. São colibris de metal extraindo o mel das suas bocas másculas, aranhas tecendo teias com patas de diamante. Colam o olhar à ganga, melhor, colam-no aos contornos e tentam adivinhar o que está por debaixo dela. Escalam um metro e oitenta de corpo, para baixo e para cima, comparando a harmonia que existe entre o relógio e os sapatos, entre a camisola e a cor dos olhos, entre a marca dos óculos de sol e o cheiro que o homem deita, entre o sorriso e a púbis. Pensam fantasias, sentem ardentemente, inebriam-se de desejo, mas calam-se mais do que os homens quando estes vêem mulheres estonteantes. Será mesmo assim? Pergunta este homem.
Mas agora ela já não está no início. Já não é o princípio de quando se vestia e se penteava e punha perfume e se mostrava num decote profundo para ser conquistada e conquistar. Passaram anos sobre a instantânea vontade de ter. Sobraram desilusões e prazeres mortos pela manhã na cama ao seu lado. O tempo trouxe-a até esta mesa como traz ao ninho um pássaro belo mas farto de voar e de ser adorado apenas pelas curvas da penugem que tem. Terá então havido alguém que lhe deu a provar para além da casca, da capa, da superfície, da pele, terá ela trincado um fruto mais sumarento por dentro, escutado umas palavras que lhe massajaram a existência dorida, terá visto o mecanismo do coração, terá degustado a doce resina do silêncio? Que homem esteve à altura de estar para além do corpo e lhe mostrou as cavernas onde a beleza interior se forma como estalactites de chocolate quente? Que homem conseguiu dar-lhe paz sem lhe tocar?
Mas parece-me que a descoberta não foi pacífica, pois quando o disse agarrou-se a um cigarro para não cair.
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