A falta de reservas alimentares

Quinta-feira, 17 Setembro, 2020

Francisco Orelha

presidente da Câmara Municipal de Cuba

Portugal, a par de outros países, manteve ao longo de muitos anos reservas alimentares porque se temiam conflitos mundiais, como disso foram exemplo a 2.ª Guerra Mundial e o período de elevada tensão que se lhe seguiu ficou conhecido como “guerra fria”.
Hoje a guerra é outra, a da economia e a da sobrevivência dos Estados. O nosso país reduziu substancialmente a produção dos bens de primeira necessidade oriundos da agricultura. Actualmente, a nossa dependência é quase total. Decidimos optar pela compra directa a outros países, iludindo-nos a nós próprios com a ideia que “fica mais barato”. Uma decisão fácil… mas perigosa.
Os bens de primeira necessidade como a carne, o peixe, o tomate, o pimentão, as alfaces, as frutas, as hortaliças, o trigo, entre outros, são em grande parte adquiridas a outros países, chegando diariamente às prateleiras dos supermercados transportados em avião, de barco ou camião.
A nossa dependência do exterior é preocupante e pode colocar-nos em risco de sobrevivência de um dia para o outro. Devemos ter sempre presente a agravante de sermos um país periférico em que a distância é maior, isto é, estamos mais longe de tudo e de todos. Basta haver um conflito, uma tragédia, uma greve prolongada, ou mesmo uma catástrofe natural como o foram as cinzas de um vulcão ou uma situação anormal de intempéries… e logo se põe em risco o normal abastecimento diário e regular de géneros alimentares ao país.
A actual situação de crise é o momento oportuno para repensar e inverter esta situação. Há que dar mais atenção ao sector da agricultura portuguesa, incentivando e apoiando os nossos agricultores a produzir bens essenciais de primeira necessidade que todos necessitamos, criando assim condições de independência alimentar e, dessa forma, sairmos da dependência de outros países.
No entanto, tem que haver uma mudança radical de métodos, de mentalidades e de princípios dos nossos agricultores, fazendo-os perceber que necessitam abandonar o espírito individualista e optar pelo associativismo. Sozinhos e isolados nada conseguirão, agrupando-se podem atingir resultados mais competitivos.
Temos as principais condições para o fazer: clima, terra e água. O Baixo Alentejo pode e deve vir a ser um exemplo a seguir na produção de produtos de primeira necessidade oriundos da agricultura, depois da conclusão do Plano de Rega do Alqueva que vai irrigar cerca de 110.000 hectares nesta região.
Além da produção, temos que fazer uma aposta forte na transformação e comercialização dos nossos produtos para que possamos também exportar alguns excedentes, como já acontece no vinho e no azeite. Para isso temos uma janela aberta para o exterior na questão do transporte de produtos… há que apostar na dinamização do aeroporto internacional de Beja.
Se onde há água há vida, só nos resta produzir. Espero que os nossos governantes mudem de estratégia política para que possamos produzir mais e melhor. Podemos não ir de férias, não trocar de carro, nem mudar o guarda-roupa, a par de outros hábitos, mas tenho a certeza que uma coisa não podemos deixar de fazer… comer três refeições ao dia: pequeno-almoço, almoço e jantar!
No passado, uma geração de portugueses deu exemplos ao mundo, entre eles Cristóvão Cólon. Vamos seguir esses exemplos de luta, de trabalho e de conquista e não nos deixemos embalar pelo discurso da lamúria, da desmotivação e da desgraça, para que mais tarde não venhamos enxugar lágrimas numa toalha turca. Há que mudar de vida e ter vontade para vencer a crise.
Alguns factores que contribuíram para a actual crise:
<b>1- </b>Não podemos esquecer que vivemos 50 anos sobre a alçada de uma ditadura;
<b>2- </b>Houve uma guerra mundial onde não participámos directamente, mas fomos alvo de prejuízos;
<b>3- </b>Perdemos o império que nos restava: Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe;
<b>4- </b>Ao longo de décadas mantivemos uma guerra colonial injusta, em países distantes, que provocou despesas, mortes e o regresso de dois milhões de portugueses;
<b>5- </b>Fizemos uma revolução que, apesar de não ser sangrenta, provocou prejuízos económicos ao país, quer na agricultura, com uma reforma agrária sem utilidade, quer noutros sectores da economia através das nacionalizações, com os resultados que mais tarde vieram a ser do conhecimento de todos;
<b>6- </b>Não tivemos capacidade de fazer a transição de uma ditadura para a democracia com resultados na melhoria objectiva das condições de vida dos nossos cidadãos, como fizeram os nossos vizinhos espanhóis;
<b>7- </b>Tudo isto provocou uma crise financeira profunda, que culminou com a entrada, no início dos anos 80, do Fundo Monetário Internacional (FMI) no nosso país;
<b>8- </b>Aderimos ao espaço da União Europeia sem estarmos minimamente preparados, para melhor dizer, fragilizados economicamente;
<b>9- </b>A baixa produtividade nos sectores da agricultura, pescas e indústria, no sector privado para isso contribuíram. No entanto, a administração pública também não soube dar a resposta adequada;
<b>10- </b>Terminámos este ciclo com escândalos financeiros e uma forte corrupção.

Os responsáveis somos todos nós, os partidos políticos e todo e qualquer cidadão comum, pelo que fez ou pelo que devia ter feito e não fez.

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