A Organização das Nações Unidas declarou o ano de 2010 como o Ano Internacional da Biodiversidade, o que se tem materializado numa ampla campanha de sensibilização para a defesa da diversidade biológica através da realização de inúmeras iniciativas promovidas por entidades públicas e privadas que, de um modo geral, procuram evidenciar o papel incontornável da natureza no apoio à vida no nosso planeta.
Por isso, o tema central desta campanha tem sido ilustrado por duas expressões particularmente felizes: “A Biodiversidade é vida. A Biodiversidade é a nossa vida”1. Ora, existe hoje uma excelente oportunidade para todos nós, cidadãos portugueses e do mundo, reflectirmos sobre a importância dos ecossistemas e da biodiversidade para garantir a qualidade do nosso bem-estar e da sustentabilidade do nosso futuro colectivo.
É hoje consensual a verificação da perda de biodiversidade a nível global por razões diversas e em que sobressaem, muitas vezes, factores e motivações de ordem económica associados à crescente urbanização e à exploração de recursos naturais numa base de menor preocupação com o impacto ambiental dos projectos.
Neste pressuposto, torna-se cada vez mais necessário estabelecer modos de articulação e diálogo com os agentes económicos por forma a minimizar os impactos negativos sobre o património natural e possibilitar também que os ecossistemas existentes produzam bens e serviços úteis aos cidadãos segundo modos de exploração compatíveis com a preservação do capital natural dos territórios.
Sob este ponto de vista, a conservação da biodiversidade constitui um desafio ímpar para conseguir melhorar a qualidade de vida e o bem-estar das populações. Para tal, o envolvimento de todos é um imperativo de cidadania, por que sem biodiversidade não há futuro nem vida saudável.
É, por isso mesmo, necessário e urgente aprofundar o relacionamento entre as empresas e a biodiversidade a fim de contribuir mais fortemente para uma gestão mais activa e empenhada da sociedade na conservação da biodiversidade e, assim, evitar a deterioração de habitats e espécies ameaçadas que são essenciais para preservar a natureza e assegurar o nosso futuro colectivo.
<b>Biodiversidade e Empresas:
um desafio com futuro</b>
Neste âmbito, a iniciativa Business & Biodiversity2 constitui um excelente ponto de partida para garantir um maior envolvimento das empresas e das actividades económicas nas estratégias de conservação da natureza, pois baseia-se numa adesão voluntária por parte das empresas, procurando identificar acções e projectos a desenvolver que permitam integrar progressivamente a biodiversidade nas estratégias empresariais e contribuam igualmente para a sua valorização económica, social e ambiental.
Deste ponto de vista, a iniciativa B&B pressupõe, por um lado, a adesão a um conjunto de princípios orientadores da acção e, por outro, a adopção de uma metodologia de integração da biodiversidade na decisão empresarial. Pretende-se, deste modo, avaliar o impacto da empresa sobre a biodiversidade, estabelecer os planos de acção e as correspondentes parcerias institucionais para a sua concretização e, por fim, comunicar e divulgar os seus resultados à sociedade.
Acreditamos, pois, que esta atitude pró-activa de rigor e transparência é essencial para que o binómio empresas e biodiversidade se constitua como um vector mobilizador dos cidadãos e das suas organizações para aumentar a consciencialização da necessidade de gestão, valorização e conservação do património natural em sentido amplo, condição indispensável para construir um futuro sustentável e garantir mais qualidade de vida e bem-estar para todos.
Ora, as boas práticas das empresas neste domínio da biodiversidade revelam-se claramente como exemplos de carácter demonstrativo a seguir pelos outros sectores da sociedade, contribuindo deste modo para fundamentar estratégias de desenvolvimento numa base sustentável.
Daí resulta, mais uma vez, a importância atribuída à iniciativa B&B que se apresenta como proposta inovadora e de longo prazo, na medida em que se pretende assumir também como plataforma europeia de interacção e cooperação de empresas, organizações não governamentais, instituições do sistema científico e tecnológico, administração pública, outros stakeholders, por forma a desenvolver parcerias concretas de geometria variável com vista a promover a gestão e conservação da biodiversidade na sua relação com a actividade empresarial.
<b>Biodiversidade
e Ecossistemas:
âncoras de desenvolvimento</b>
Valerá a pena relembrar que a biodiversidade é um suporte indispensável para o desempenho funcional dos ecossistemas que são, na verdade, complexos dinâmicos de animais, plantas e micro-organismos que interagem permanentemente com o meio físico envolvente (desertos, zonas húmidas, prados, florestas, etc.).
Com efeito, a biodiversidade assume um papel fundamental na sustentação da oferta de serviços dos ecossistemas3, ou seja, os benefícios de que as populações usufruem: alimentos, qualidade da água, combustível, regulação climatérica, fertilidade dos solos, lazer, plantas medicinais, etc.
Assim sendo, o progresso e o bem-estar dependem fortemente e cada vez mais da existência de ecossistemas saudáveis e funcionais.
Por tudo isto, a natureza e a economia encontram-se profundamente interligadas e um enfoque claro e inequívoco na valorização e conservação da natureza, constitui-se como uma mais-valia indiscutível para a produção de bens e serviços susceptível de garantir uma procura qualitativamente mais exigente e também de contribuir para a criação de novos empregos.
Neste sentido, a biodiversidade ao ser integrada e assumida também pelas empresas nas suas estratégias de decisão e desenvolvimento, assume-se como um verdadeiro momentum que permite explorar mais eficazmente as sinergias entre a economia e a natureza, por forma a conceber modos de produção e tecnologias mais eficientes e com menor impacto sobre o ambiente.
É evidente que esta perspectiva de interacção permanente e sistemática dos agentes económicos e sociais com os territórios e os seus valores naturais exige novas abordagens de intervenção que permitam não só minimizar os impactos negativos das actividades humanas sobre a biodiversidade, mas sobretudo contribuir para a valorização ambiental e económica dos valores naturais em presença, condição indispensável para alicerçar uma dinâmica de desenvolvimento sustentável dos territórios.
Se olharmos, por exemplo, para alguns dos mais importantes ecossistemas do Mediterrâneo, deparamo-nos inevitavelmente com o ecossistema montado que apresenta elevados níveis de biodiversidade e que constitui um suporte fundamental da base económica de muitos desses territórios como será o caso de Portugal e do Alentejo, em particular.
É bem conhecida a projecção mundial da cortiça enquanto bem transaccionável, mas constitui apenas um dos múltiplos produtos associados àquele ecossistema de elevado valor ecológico.
Ora, a entrada deste tipo de produtos e, em particular, dos produtos derivados de cortiça, nos mercados externos mais exigentes, defronta-se hoje com a necessidade de mostrar que a gestão florestal é feita de uma forma sustentável e que se encontra devidamente certificada de acordo com parâmetros técnicos reconhecidos a nível internacional, o que constitui não só um desafio, mas também novas oportunidades competitivas para as empresas exportadoras e para os próprios produtores florestais.
Na verdade, trata-se de criar as condições adequadas para uma gestão equilibrada de um ecossistema que garanta uma exploração continuada e diversificada do seu potencial produtivo no seu conjunto, salvaguardando a biodiversidade que lhe é intrínseca.
<b>Biodiversidade e Alterações
Climáticas:
articulação simbiótica</b>
Revela-se ainda de fundamental importância promover a educação para a biodiversidade e o desenvolvimento sustentável, sem o que se torna particularmente difícil assegurar o envolvimento de todos na política de conservação da natureza e da biodiversidade segundo uma perspectiva de modernidade e de progresso económico e social.
Além disso, importa igualmente sublinhar a necessidade absoluta de compatibilizar a política de conservação da biodiversidade com as restantes políticas sectoriais, devendo para tal ser realizado um esforço adicional de modo a identificar não só as áreas com maior potencial de impacto sobre a natureza e a biodiversidade, mas também os planos de acção sectorial e os seus respectivos mecanismos de avaliação.
Acresce referir que a política de conservação da biodiversidade é indissociável da política relativa à mitigação e adaptação às alterações climáticas, pois as alterações climáticas têm um profundo impacto no funcionamento dos ecossistemas4, designadamente ao nível de habitats e espécies, pelo que importa assegurar as condições de preservação dos mesmos e, como tal, salvaguardar a biodiversidade aí existente.
Sob este ponto de vista, existe efectivamente uma relação simbiótica entre biodiversidade e alterações climáticas, não obstante as diferenças metodológicas associadas à métrica de avaliação dos respectivos impactos.
<b>A Biodiversidade e as Áreas
Classificadas: a aposta
num novo modelo
de desenvolvimento</b>
No que se refere à política de conservação da biodiversidade na Europa e em Portugal, importa assinalar a aplicação dos dispositivos de enquadramento legislativo existente, designadamente as Directivas Aves e Habitats, bem como a existência de uma rede de áreas classificadas (Rede Natura 2000) que, no caso do continente português, representa cerca de 22% do território, sendo que aí estão também incluídas as designadas áreas protegidas (reservas naturais, parques naturais) que representam cerca de 7,8 % do território continental.
Todavia, importa assinalar que as áreas protegidas e classificadas sendo de fundamental importância para a conservação da biodiversidade, não podem subsistir isoladas do resto do território, pelo que o estado da biodiversidade deverá igualmente levar em linha de conta os restantes espaços rurais e urbanos, porque é com esta situação que a população mais está em contacto e conhece e que, por isso mesmo, importa mobilizar para a sua defesa.
Nunca é demais relembrar que a destruição de biodiversidade e de afectação dos ecossistemas contribui inevitavelmente para uma menor qualidade de vida e de bem-estar de todos nós e, além disso, assume quase sempre um carácter irreversível.
Daí que se torne cada vez mais necessário uma ruptura no modelo de desenvolvimento das nossas sociedades, dando um novo ímpeto à política de conservação da biodiversidade e rompendo definitivamente com o modelo do business as usual.
Só assim será possível criar um verdadeiro momentum para a articulação simbiótica entre a natureza/ património natural e a economia capaz de induzir novas trajectórias de desenvolvimento compatíveis com a protecção da biodiversidade e dos ecossistemas.
A conjunção da economia com a natureza e vice-versa constitui talvez um dos maiores e mais expressivos desafios da sociedade moderna na era da globalização, pois trata-se de alterar padrões de consumo e de produção com vista a dispor de um modelo de desenvolvimento mais respeitador do ambiente e mais compatível com a conservação e valorização do capital natural e da biodiversidade.
Nesta perspectiva, a combinação das estratégias empresariais de valorização económica de recursos endógenos e a gestão activa da rede nacional de áreas protegidas orientada para uma oferta mais qualificada de bens e serviços poderá constituir um forte impulso para a criação de condições de atractividade e fixação de pessoas e empresas em territórios mais desfavorecidos e, ao mesmo tempo, promover uma maior consciencialização cívica para a protecção e conservação dos activos naturais que são marcas identitárias e insubstituíveis do nosso património colectivo.
Não temos dúvidas de que qualquer visão prospectiva do nosso desenvolvimento deverá considerar sempre como pilar estruturante insubstituível o activo estratégico que é o nosso património natural materializado nos ecossistemas existentes e na biodiversidade que lhes está inevitavelmente associada, sem o que não será possível construir um futuro sustentável para o nosso país e para mundo.
Dar um novo ímpeto às políticas de conservação da biodiversidade à escala europeia e mundial é um passo fundamental para apoiar uma estratégia de desenvolvimento sustentável que concilie a economia com a natureza e a vida!
<i>1. ver em http://www.cbd.int/2010/welcome/
2. A iniciativa Business & Biodiversity foi lançada no segundo semestre de em 2007 pela União Europeia aquando da presidência portuguesa e visa o compromisso responsável das empresas na defesa da biodiversidade integrando-a nos seus próprios modelos de negócio e nas respectivas estratégias de desenvolvimento. Trata-se de uma adesão voluntária das empresas que, para o efeito, estabelecem um protocolo com o ICNB, I.P. através do qual se define um programa de acções e projectos que deverão contribuir positivamente para a biodiversidade. Sugere-se a consulta do site: http://ec.europa.eu/environment/biodiversity/business/index_en.html
3. Consultar o relatório Dead Planet, Living Planet – Biodiversity and Ecosystem Restoration for Sustainable Development disponibilizado no sítio internet http://www.grida.no/_res/site/file/publications/dead-planet/RRAecosystems_screen.pdf
4. Consultar o site http://www.unep-wcmc.org/climate/default.aspx.</i>