No regresso a Castro Verde, no passado dia 25 de julho, o bispo Rui Valério revelou ao “CA” as memórias que guarda da terra onde foi padre e elogiou a beleza e espiritualidade da Basílica Real.
Como foi este regresso a Castro Verde e este reencontro com caras conhecidas numa data tão simbólica, como o são as comemorações da Batalha de Ourique?
Vir a Castro Verde tem sempre para mim um duplo significado e daí uma fonte de tantos de sentimentos e emoções. Em primeiro lugar, vir a Castro Verde para qualquer cidadão nacional é regressar onde aconteceu a Batalha de Ourique e onde D. Afonso Henriques recebeu aquele sinal do céu, com a visualização do crucifixo e do Crucificado. Foi aqui que se instituiu o espírito de uma pátria e de uma nação e, de certa forma, todo o português se sente aqui em casa. Depois, o facto de uma parte significativa da minha juventude como sacerdote ter sido desenvolvida com o povo de Castro Verde é uma circunstância que nos remete para uma relação de afetividade. Costuma-se falar do ‘primeiro amor’ e foi aqui, em 1993, que exerci os meus primeiros dois anos de sacerdócio, o que significa que foram anos que me marcaram para sempre. Em terceiro lugar, tendo em conta a circunstância que estamos a viver em termos mundiais, onde cada vez mais nos apercebemos que aquilo que nos dá estabilidade e solidez na vida são os valores de lealdade, de liberdade, de autenticidade e de humanismo, e Castro Verde ensinou-me a prezar esses valores. Ou seja, para além de ser um reencontro com a História, é um reencontro com pessoas por quem nutro um grande respeito e uma grande amizade. E é também o reencontrar-me com um lar que zela, desenvolve e preza aqueles valores que são estruturantes para uma sociedade feliz.
Qual a principal memória que guarda de Castro Verde?
Fundamentalmente o desenvolvimento que fiz, logo em 1993, quando comecei a visitar as escolas primárias semanalmente. Isso é uma memória forte que tenho em mim. E depois a hospitalidade do povo castrense. Nunca me senti aqui [em Castro Verde] um estranho, senti-me sempre acolhido. Em Castro Verde sentimos que estamos em casa, com pessoas de família. E depois há aquela capacidade de resiliência, muito própria do povo alentejano e que a mim me toca particularmente, porque o meu pai é oriundo de Trás-os-Montes e há uma grande afinidade entre o Alentejo e Trás-os-Montes. Ou seja, há aqui um espírito de conquista que é cultivado pelas pessoas e que depois se vai transmitindo. Sabemos que aqui nada é gratuito no sentido humano do termo. Mas esta força de resiliência é uma marca que ainda hoje recordo em muitas paragens onde estou.
Celebrou uma missa campal na parte traseira da Basílica Real, que já foi proposta para ser classificada como monumento nacional. Fica satisfeito com este processo?
Antes de olhar para a Basílica Real como cristão, como homem de Igreja e como bispo, olho para a Basílica Real, porventura, como o maior e o simbolicamente mais rico monumento erguido à memória da Batalha de Ourique. Daí que merece tudo de Portugal! Porque de facto é a melhor homenagem viva que temos [à Batalha de Ourique]. Depois, como cristão, digo em muitos lados – e não por estar aqui agora – que de todas as igrejas onde já tive a graça e o privilégio de celebrar – e já foram muitas –, como a Basílica Real de Castro Verde nunca encontrei nenhuma.
Porquê?
Porque há qualquer coisa ali que nos é transmitido, que nos empolga, que nos eleva… Talvez sejam as suas dimensões, talvez seja a beleza dos seus azulejos, mas de facto, ligado ao próprio contexto arquitetónico e de construção, há ali uma comunicação de um empolgamento e de uma força que só a Basílica Real de Castro Verde é capaz de transmitir.
Neste momento é bispo das Forças Armadas e Segurança. Encara esta função com ‘sentido de missão’?
Como bispo tenho percorrido e visitado muitos países do mundo, para reencontrar os nossos militares. Ainda amanhã [26 de julho] irei para a Lituânia, onde vou ficar uma semana, porque temos lá um grande contingente de militares nossos e vou ao encontro deles como bispo, como amigo e como camarada, mas sobretudo para lhes transmitir que não estão sozinhos. Cada um deles representa 10 milhões de portugueses, que os apoiam, que os compreendem, que os estimulam e que tudo fazem para que nada lhes falta. E sobretudo para que nós, na pessoa deles, sintamos um grande orgulho por este serviço que uma vez mais Portugal está a prestar à causa da paz e do bem entre as nações.
O que ganha ainda mais importância tendo em conta o momento ‘complexo’ que a Europa enfrenta atualmente?
É verdade, num tempo tão complexo como este em vários sentidos. Primeiro houve a pandemia, onde os militares estiveram envolvidos, e agora temos a questão deste conflito violento e desta guerra [na Ucrânia]. E há outros desafios nos são lançados, mas aquilo que é verdade é que os militares dizem sempre presente.
Entrevista publicada na edição de 5 de agosto do “CA”