Na véspera do arranque da 36ª Ovibeja o presidente da ACOS-Agricultores do Sul, RuiGarrido, fala ao “CA” sobre a importância da feira para a região e antevê dias de “casa cheia” na edição deste ano, que é dedicada à temática das alterações climáticas.
Esta é a 36ª Ovibeja. A organização ainda consegue inovar quando desenha a feira?
Todos os anos tentamos inovar qualquer coisa, embora queiramos sempre manter o que tem sido a traça da Ovibeja e que tem a ver com o facto de ser uma feira aberta, uma feira agrícola, mas que tenha outras actividades ligadas ao mundo empresarial que possam interessar ao público em geral. Este figurino da Ovibeja hoje em dia é já uma marca conhecida em todo o país. Ainda há uns dias estive no Porto e quando numa determinada grande superfície comercial dissemos que éramos de Beja a nossa interlocutora falou logo da Ovibeja. Toda a gente conhece a Ovibeja, o que nos deixa cheios de orgulho.
É o “Ronaldo do Alentejo”?
Sim, é uma espécie de Ronaldo do Alentejo que toda a gente conhece no país e mesmo no estrangeiro. É um acontecimento já bem enraizado. Mas é sempre possível inovar e este ano, entre outras coisas, inovámos no tema. Todos os anos a Ovibeja tem um tema central e o deste ano prende-se com as alterações climáticas que se estão a verificar e os seus efeitos, concretamente, na agricultura.
Essas alterações já se sentem, de facto, em termos agrícolas e aqui na região?
Basta ver a falta de água! Estamos outra vez perante um ano seco, já se fala em seca, há zonas do país já classificadas como de seca extrema e outras para lá caminham. Infelizmente estamos perante uma situação com três anos seguidos em que chove muito pouco no Inverno, chovendo, por vezes, em alturas em que tal era raro acontecer. Sentimos que isto anda diferente do que era. Pegando no nosso lema de que “não há homens sem agricultura e não há agricultura sem homens”, a nossa função é dar de comer às pessoas e a base disso tem que ser a agricultura. Obviamente quando se intensifica a produção agrícola é preciso mitigar alguns dos efeitos agressivos dessa intensificação, ainda que grande parte da nossa actividade produza efeitos positivos no ambiente, nomeadamente as produções que fazem o sequestro do carbono, como a floresta, as pastagens, etc.
Em cima da mesa hoje estão muitas críticas às monoculturas, nomeadamente do olival.
É verdade, mas não só. Também existem críticas à pecuária extensiva, etc , por isso, duma forma aberta, informativa, vamos procurar abordar essas temáticas aqui na Ovibeja.
Considera que a cultura do olival, como está a ser feita no Alentejo, em áreas extensas e contíguas, não é prejudicial ao ambiente e à biodiversidade?
Eu julgo que esse é um falso problema, não só eu mas a generalidade dos agricultores, empresários e técnicos que conhecemos o assunto. Antes falava-se da monocultura do trigo, agora é da oliveira. Mas a realidade é que não existe essa monocultura. O olival, no perímetro de Alqueva, representa 60 e tal por cento da área de regadio, ou seja cerca de 60/ 70 mil hectares. O Alentejo tem quase três milhões de hectares de superfície agrícola útil, logo falar de monocultura em termos de região é muito duvidoso. Quem fala de monocultura são pessoas que não conhecem a ocupação cultural e a geografia da região e que passam aqui na estrada nacional que vem de Serpa para Ferreira e olham para um lado e para o outro e só veem olival ou amendoal. Por isso falam em monocultura. Se andarmos mais meia dúzia de quilómetros para um lado ou para outro essa monocultura desaparece.
E qual o comportamento do olival quanto ao consumo de água?
Se não fosse o olival não era possível fazer o alargamento do regadio de Alqueva, já que o plano inicial previa um consumo superior a seis mil metros cúbicos por hectare. O olival, como gasta apenas metade disso, permitiu tornar possível esse alargamento. Doutra forma não era possível. Estamos a falar de um bem tão escasso que é a água e duma cultura que gasta muito pouca água relativamente a outras. Por isso não entendo como se fala destas coisas com um tão grande desconhecimento. Mas há mais: o olival além de gastar menos água também consome menos fertilizantes e menos agroquímicos.
É também falsa a ideia de que, devido à quantidade de químicos utilizados, os olivais são autênticos desertos do ponto de vista biológico?
Isso é completamente falso. Se compararmos a cultura do olival com outras culturas dos nossos regadios, como tomate, milho, cebola, são culturas que gastam muito mais agro-químicos do que o olival. E mesmo o cobre, um dos fungicidas que mais se gasta no olival, é também permitido usar-se na produção biológica. Por outro lado, não há nenhum olival em que a faixa central entre oliveiras não esteja com coberto vegetal, que funciona como zona tampão, onde não se aplicam químicos, uma vez que os herbicidas só são aplicados na linha das árvores. Nas culturas anuais os herbicidas são utilizados em toda a área de cultivo. Em conclusão, com o olival gastamos menos fertilizantes e menos agro-químicos e, ao mesmo tempo, os olivais contribuem muito positivamente para o sequestro de carbono. Falar-se do olival da forma como muitas vezes se ouve é uma coisa que, a nós, que andamos cá e somos técnicos, nos faz uma grande confusão.
Nos últimos tempos tem-se falado muito da morte de milhares pássaros nos olivais decorrente da apanha nocturna de azeitona. Estamos a falar dum facto real ou, também aqui, existe alguma confusão?
Eu não sei se isso acontece, também só soube disso pela comunicação social. Será que alguns tordos dormem no meio dos olivais? Não sei. A grande dormida dos tordos sempre foi nos montados e depois vão aos olivais para comer, mas se alguns dormem nas oliveiras e as máquinas os apanham, isso já não sei. No entanto, as máquinas de varejamento deste tipo de olivais têm uns batedores que fazem as árvores vibrar. Os pássaros ao sentirem esta vibração espantam-se e voam, evitando ser apanhados por esta. Contudo, se é verdade que tal acontece, importará saber qual a sua dimensão, a fim de podermos encontrar soluções que possam reduzir drasticamente ou anular este problema.
Ainda no campo das alterações climáticas, fala-se do declínio do montado, uma das riquezas do Alentejo. Qual é a situação?
O montado, fruto de vários factores que contribuem negativamente para a sua manutenção está, nalgumas zonas, infelizmente em declínio. É um processo de combinação de doenças, de práticas culturais e onde as alterações climáticas também têm a sua quota parte de influência. Há três invernos que praticamente não chove e isso é muito mau para o arvoredo. O facto de não chover enfraquece os montados e torna-os mais vulneráveis.
Todos estes assuntos de que falámos serão objecto dos debates que terão lugar na Ovibeja?
Sim. E para isso estamos a convidar especialistas que nos venham falar sobre os vários temas, tentando relacionar estes dois problemas: o da agricultura e o das alterações climáticas e ambiente. Queremos ver como, também nós, agricultores, podemos ajudar a mitigar os efeitos negativos que contribuem para as alterações climáticas.
Para esta edição da feira como tem sido a procura de espaços por parte dos expositores?
Tem havido bastante procura de expositores, mais do que no ano passado. É um sintoma de que a feira é interessante para os expositores, de que a actividade agrícola está viva e isso é salutar. Vamos ter uma feira cheia, no mesmo esquema dos últimos anos com o pavilhão institucional, a zona da pecuária, o pavilhão “Terra Fértil” dedicado ao olival e ao 9º Concurso Internacional de Azeite Virgem Extra, como tem sido hábito, e a uma exposição sobre as alterações climáticas. Vamos manter ao lado uma tenda com as tasquinhas e petiscos tal como o Pavilhão do Artesanato e do Cante. Vamos ter cá, outra vez, os cantadores dos grupos corais da Grande Lisboa, que mais uma vez visitam a Ovibeja no comboio do cante. Para eles é uma visita já imprescindível.
O Concurso Internacional de Azeites Virgem Extra, organizado pela Ovibeja e pelo Crédito Agrícola, continua a afirmar-se ano após ano?
Sim! O nosso concurso voltou a estar entre os três melhores concursos internacionais do mundo. Somos nós, o Concurso da Feira de Jaen e o Concurso Mario Solinas, de Madrid, que é organizado pelo Conselho Oleícola Internacional. Hoje em dia um factor de pontuação de qualquer azeite para ser considerado um dos melhores do mundo tem a ver com o facto de ter obtido prémios num destes três concursos. Isto diz bem a importância que o nosso concurso já atingiu.
Falou há pouco da pujança do sector agrícola, mas a falta de chuva pode pôr em causa as produções deste ano no Alentejo, dada a escassez de água nas barragens. Qual é a situação que já se vive neste momento?
As pastagens e culturas anuais, como os cereais, embora com pouca chuva, têm-se mantido, começando agora a dar os primeiros sinais de seca. Mas há muito pouca humidade nos solos o que pode comprometer as culturas de Primavera, de sequeiro. Este ano a contribuição para as reservas hídricas também tem sido zero, sejam furos, sejam barragens, etc. Por isso a expectativa é muito grande para esta Primavera e se não chover mais, ou se chover muito pouco, iremos ter um mau ano agrícola. Em termos de regadio, as barragens que estão ligadas a Alqueva continuarão a ser abastecidas e vão ter água comprada à EDIA, o que significará maiores custos para os agricultores.
E Alqueva, se não chover, tem reservas suficientes?
Tem e consegue manter o abastecimento ao sistema. Neste momento, Alqueva ainda tem reservas para três anos. No entanto, conforme já referi, as despesas com as culturas sofrerão um grande incremento, seja pelo maior custo da água, seja pela necessidade de aplicação de maiores quantidades deste factor de produção.
Se não houvesse Alqueva a situação seria muito mais difícil?
Seria muito mais dramática. Como é sabido, a maior parte da água das barragens da nossa região já pode ser abastecida por Alqueva. Se esta não existisse, além do problema do sequeiro, teríamos também o problema do regadio, uma vez que todas estas barragens confinantes não dispõem de reservas para a campanha de rega. Independentemente de se consumir mais água, ou pagá-la mais cara, é incomparavelmente melhor dispor de água para regar.
Nos últimos anos não se têm ouvido muitas reivindicações dos agricultores, ao contrário do que acontecia anteriormente. Isso significa que há mais estabilidade e rentabilidade no sector?
A situação é esta: há alguns sectores agrícolas que nos últimos anos têm estado estabilizados e os preços têm permitido viabilizar as explorações, nomeadamente o olival, de que falávamos há pouco. Já quando falamos no sequeiro alentejano, ocupado principalmente por explorações agro-pecuárias, o problema é bem diferente. O valor de mercado, dos borregos ou dos bezerros, não é muito diferente de há 10 ou 15 anos. Uma excepção para o porco alentejano, de montanheira, uma vez que a indústria dos presuntos continua a valorizar bem este tipo de produção. Em minha opinião, a maior parte das explorações agro-pecuárias da nossa região só se viabilizam se tiverem dimensão. Há também culturas de regadio cujos preços de mercado não viabilizam as suas produções, como é o caso dos cereais ou das oleaginosas. Por isso, hoje em dia, há muitos agricultores que se estão a virar para culturas permanentes, como o olival ou o amendoal, porque o investimento em culturas anuais muitas vezes não é viável. Ou seja, e respondendo directamente à pergunta, há sectores que estão bem de saúde, mas outros que não.
O preço da água é, neste caso em que a chuva falta, uma componente importante na formação dos preços?
É fundamental, porque se gastamos mais água tudo se altera. Recordo, no entanto, que o preço da água de Alqueva desceu um pouco no ano passado. Esta situação teve por base um estudo elaborado pela EDIA em que se comprovava que a empresa se mantinha viável baixando o preço da água, mas aumentando a área regada, através da economia de escala. Tal permitiu ao senhor ministro da Agricultura baixar, em vários escalões, o preço da água. Gostaríamos que ainda baixasse um pouco mais porque é um factor importante na rentabilidade das explorações.
Este ano as comemorações do 25 de Abril em Beja vão ter lugar na Ovibeja. É o sinal de que as relações entre a Câmara Municipal e a ACOS são neste momento distendidas e sem quaisquer problemas?
São muito boas. A nossa relação com a Câmara sempre foi de colaboração e cooperação mútuas e terão de continuar assim, pois o contrário não faria sentido. Até porque somos parceiros na gestão do Parque de Feiras e Exposições Manuel de Castro e Brito, que tem que ser gerido em conjunto. Neste sentido e, a fim de programarmos todas as obras necessárias à manutenção e conservação do parque, reunimo-nos bastantes vezes com este executivo.
Mas é a primeira vez que Câmara e Ovibeja organizam em conjunto as comemorações do 25 de Abril.
Exactamente. Este ano lembrámo-nos de que não fazia sentido termos aqui um espetáculo no dia 24, que é quando a feira começa, e a Câmara organizar outro num local diferente para assinalar o 25 de Abril, fazendo com que as pessoas se dispersassem pelos dois lados. Por acordo entre as partes, as comemorações desta data far-se-ão no recinto da feira. A Câmara colabora connosco, custeando uma parte do espectáculo da noite de 24, com o António Zambujo, um artista da terra. Abrimos as portas da feira a partir das 22 horas a todos os que queiram vir assistir, sem terem que pagar bilhete. O próprio fogo-de-artifício será feito aqui ao lado. As comemorações do 25 de Abril ficam assim concentradas na Ovibeja, onde o próprio presidente da Câmara fará um pequeno discurso por volta da meia-noite. Acho que tudo vai resultar bem.
Isto significa também que algumas feridas do passado, por parte de alguns agricultores, relativamente ao 25 de Abril de 1974, estão definitivamente saradas?
Acho que sim, que é tudo pacífico. Esta decisão, pela nossa parte, foi tomada numa reunião da direcção da ACOS e foi consensual. Não faria qualquer sentido estarmos a dispersar esforços e pessoas.
Esta Ovibeja vai decorrer em período pré-eleitoral já que as eleições Europeias são no final de Maio. A expectativa é que, também mais uma vez, por aqui desfile grande parte da classe política?
Nós estamos à espera disso. Há muitos anos que tal vem acontecendo, uma vez que a Ovibeja já faz parte da tournée anual da classe política, ainda que, no ano passado, tivéssemos que registar uma falta, que foi a do senhor primeiro-ministro, que não nos quis presentear com a sua presença. Mas esperamos que este ano venha. Nós gostamos que eles cá venham, porque é sinal de que a Ovibeja está no calendário e também porque a Ovibeja sempre foi e vai continuar a ser um fórum onde se debatem os problemas que nos afligem em cada momento. O facto da classe política, Governo e oposição, nos visitar, também nos permite informar melhor sobre várias questões que nos preocupem, apresentar as nossas opiniões e as nossas reivindicações, tanto da agricultura como da região. A ACOS integra a Plataforma Alentejo, que reivindica melhores acessibilidades para a região, e esse vai ser mais um tema para debatermos com quem nos visita.
A Plataforma Alentejo vai estar na Ovibeja?
Vai estar, vai ter aqui o seu espaço que também será mais um momento de afirmação e de reivindicação da região como, aliás, a Ovibeja sempre foi.